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domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril


"Começa a ser cansativo comemorar o 25 de Abril. Não por causa dos acontecimentos evocados, mas por causa das comemorações, que se transformaram numa galeria de lugares-comuns, na maioria das vezes rituais reivindicativos de um heroísmo pessoal que, sabe-se, em muitos casos nem existiu.

Por isso mesmo as comemorações estão a envelhecer. Tal como aconteceu com as comemorações da República, que das grandes manifestações fundadoras foi caindo em desuso para hoje ser um feriado em que meia dúzia de discursos oficiais e umas paradas de bombeiros resolvem a coisa. Povo, o povo republicano está na praia e o ritual cumpre-se mais por obrigação do que por afeição.

Para aqui caminham as comemorações do 25 de Abril. Para o saudosismo melancólico, para a proclamação nada revolucionária, embora revoltada, de que é preciso outro 25 de Abril, coisa tão tonta que só a saudade da idade dos sonhos justifica, de que se perverteu o 25 de Abril, de que não 'era isto que queríamos', que foi contra 'isto' que se fez o 25 de Abril e mais um sem-número de disparates que a fadistice lacrimosa desculpabiliza. E tudo isto ao som do maior trovador português que nos ensina que 'povo é quem mais ordena'. O paradoxo está a transformar-se num caso demencial. Incapazes de ensinar o caminho da esperança, do combate, da alegria que em 25 de Abril renasceu. A verdade é que a Revolução foi feita por jovens que pensavam como jovens.

O maior dos seus comandantes, o capitão Salgueiro Maia, tinha 29 anos. Na sua coluna militar saída de Santarém os camaradas que o acompanhavam eram ainda mais novos e o movimento de capitães dirigia-se directamente aos jovens com um objectivo essencial: acabar com a guerra; acabar com o garrote da censura; abrir as portas da liberdade; o fim da prisão política, o fim dos tribunais plenários e de condenações por delito de pensar, falar, escrever e cantar conforme a liberdade e as opções de cada um. Foi uma Revolução de jovens para jovens que adivinhavam um mundo mais aberto do que as paredes e grades onde o país vivia encerrado, esgotado, depauperado, minado pela corrupção, pelo caciquismo, pela ignorância mais absoluta, gravemente analfabeto.

Só uma profunda desonestidade intelectual, moral e sectária pode defender que 'isto está pior do que antigamente'. Não está bem, não senhor. Mas é por isso mesmo que o 25 de Abril faz sentido: porque abriu as portas da não-desistência, da inquietação, da construção e da crítica, sem medo, sem Tarrafais ou Aljubes. Só os vencidos reclamam a choraminguice. E somos mais fortes que quaisquer Velhos do Restelo. Camões já tinha avisado."


Francisco Moita Flores, in Correio da Manhã- 25/4

(Texto recebido por e-mail)

2 comentários:

  1. Última actualização do blog “Utopie calabresi”:
    "Alegre tem cátedra em Pádua"
    É inaugurada em Pádua a cátedra com o nome de Manuel Alegre, dedicada à língua, literatura e cultura portuguesas.

    Abraço

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  2. Olá Domenico!
    Que boa notícia!
    Obrigada e um grande abraço.

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