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sábado, 14 de janeiro de 2012

Formação Cívica, a crónica de uma morte precoce

A morte é sempre difícil de aceitar. Mas a morte em tenra idade é ainda mais chocante. A disciplina de Formação Cívica morrerá, segundo a nova reforma anunciada pelo ministro Nuno Crato, antes mesmo de completar um ano de idade. Convenhamos que, de asneira em asneira, esta é de molde a fazer-me pensar que, se o argumento de acabar com o modelo de avaliação de desempenho de professores antes de o mesmo ser testado não tinha cabimento, neste caso terá.


A disciplina, criada em 2011 para o 10º ano, à abertura do ano letivo, não tinha programa, nem manuais, nem critérios de avaliação, nem quaisquer materiais específicos. Foram as equipas de professores e o coordenador da nova disciplina a criar tudo, praticamente a partir do zero e em tempo recorde para que tudo fosse operacionalizado o melhor possível na primeira semana de aulas. 


Alunos e docentes necessitam evidentemente de balizas de apoio ao seu trabalho e documentos para lecionar. Alguns tiveram de comprá-los do seu bolso e com muita imaginação e troca de ideias, ir às apalpadelas, fazendo a construção de algo que se afigurava relevante na formação dos nossos jovens.


Para quê, afinal? Quando estes alunos descobrirem que a disciplina tem a sua morte anunciada, quererão desenvolver mais algum trabalho? E os docentes, continuarão motivados a desenvolver as suas pesquisas e perder horas a procurar materiais e documentos para tornar as aulas mais apelativas? 


Pergunto-me se isto é respeitar o seu trabalho, ou, pelo contrário, deitar por terra todas as suas expetativas e investimento pessoal e profissional. O plano era para três anos e anuncia-se a sua morte antes mesmo de completar o primeiro.


Como, infelizmente, tem vindo a constituir uma constante em outros casos, estou em crer que os motivos desta supressão são meramente contabilísticos e não de natureza pedagógica. 


O argumento de que os conteúdos da Formação Cívica são transversais às outras disciplinas é pura falácia. Não estou a ver os professores de Matemática darem a Carta Universal dos Direitos Humanos, os de Literatura se preocuparem com a prevenção das infeções sexualmente transmissíveis, os de Educação Física analisarem a Constituição da República Portuguesa, os de Geometria Descritiva analisarem as propostas da Amnistia Internacional ou os de TIC o estatuto das Pessoas com Deficiência e as formas de inclusão social, o Racismo, a Xenofobia, etc, etc, etc. Poderia aqui dar muitos mais exemplos deste absurdo, só possível de ser dito por quem não está efetivamente por dentro dos assuntos.


A Formação Cívica no 10º ano, veio assim constituir-se como um espaço próprio (curto, é certo, apenas 45 minutos semanais), para o tratamento da Cidadania, Educação para a Saúde e para a Sexualidade. A sua lecionação foi atribuída com bastante critério e de acordo com perfis disciplinares adequados, no caso da minha Escola, a professores especialmente vocacionados e motivados para estas temáticas. Esses mesmos que agora só poderão ver as suas expetativas e investimento defraudados. 


Bom, parece que existem alguns diretores da região do Alentejo tão zangados quanto eu.

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