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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A felicidade é um estado imaginário

Ilustração de Richard Câmara
«Você é feliz?

Não, não perguntei se você está feliz, perguntei se é. A diferença não é pequena e não é apenas semântica. A maioria das pessoas dá pouca importância à felicidade. Estamos todos mais preocupados com coisas menores, como a alegria, por exemplo. A humanidade deseja-se alegre, o ser humano tem uma infinita vocação para se tornar numa hiena bêbada.
Um poeta já disse: a felicidade é um estado imaginário. Leio com frequência posts no Facebook de gente que se diz feliz e a desejar a felicidade dos outros. Não me leve a mal, nada tenho contra isso. Apenas me pergunto: é possível ser normal e feliz ao mesmo tempo? Ou será verdade que só os loucos são felizes?
A questão da felicidade é mais ou menos nova para a nossa civilização. Até há pouco tempo, estávamos mais preocupados em encontrar batatas para comer, viver até aos 30 e não ser queimados pela Inquisição.
Agora, com a vida estendida pela medicina, é que temos tempo para reflectir sobre coisas como a felicidade. Ou se a luz se apaga quando fechamos a porta do frigorífico. Adiante.

Preocupado com o tema, fui conversar com o meu tio Olavo. O velho, ajudado pela sua infinita colecção de achismos e citações, deu-me as seguintes respostas:

"Tio Olavo, o que é a felicidade?"

"Felicidade é ter uma família grande, amorosa, cuidadosa, que se preocupa consigo e está bem unida, só que em outra cidade."

"Só isso?"

"Bem, a felicidade está nas pequenas coisas: um pequeno iate, um pequeno Rolex, uma pequena mansão, uma pequena fortuna..."

"É uma questão de dinheiro, portanto."

"Para falar a verdade, nem tanto. Devo admitir que há coisas mais importantes na vida do que ter um pouco de dinheiro. Ter muito dinheiro, por exemplo."

"A idade traz a felicidade?"

"Às vezes. A felicidade é, no fundo, uma questão de ter boa saúde e péssima memória."

"Teve uma vida feliz?"

"Acho que sim. Se eu tivesse de viver a minha vida outra vez, cometeria os mesmos erros, só que mais cedo. Aliás, não leve a vida tão a sério: ela não é permanente."

"Que conselhos daria para quem deseja uma vida mais feliz?"

"Escreva diariamente o seu próprio horóscopo. Pare de se achar o centro do universo. Principalmente porque, quando você morrer, o sucesso do seu funeral vai depender apenas do tempo que fizer. Diariamente, sorria e diga ''olá'' a pelo menos cinco estranhos que encontrar na rua. Esqueça todos os rancores, perdoe todos os inimigos. Se conseguir fazer isso, diga-me como."»

Edson Athayde, publicado em 20-11-2010 no Jornal i

1 comentário:

  1. Simplesmente adorei! Mas se me é permitido destaco uma das respostas "A felicidade é, no fundo, uma questão de ter boa saúde e péssima memória".
    Maria Fernanda

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