"O ano em que se assinala o centenário do naufrágio do Titanic começou
com o naufrágio do Costa Concordia. E isso é tanto mais inquietante
quanto uma das passageiras do Concordia, Valentina Capuano, era
sobrinha-neta de uma vítima do Titanic, Giovanni Capuano. Mas há
outras rimas perturbadoras, da iminente guerra europeia de há um
século ao presente colapso europeu, passando pelo facto de há dois
anos o Costa Concordia ter sido escolhido pelo cineasta Jean-Luc
Godard como cenário de uma espécie de filme-catástrofe sobre o
capitalismo.
Também podemos notar, é certo, diferenças pronunciadas. Aqui no
Expresso, o historiador Rui Ramos detectou algumas: “No Titanic, o
capitão foi ao fundo com o navio; no Concordia, é acusado de ter sido
o primeiro a fugir. No Titanic, como demonstra a estatística dos
sobreviventes, os homens honraram a prioridade clássica das mulheres e
crianças; no Concordia, correram logo histórias de latagões a empurrar
mulheres e a pisar crianças para chegar primeiro aos salva-vidas”. É
como se ao colapso naval se viesse juntar agora um “colapso ético”. (...)
(Costa Concordia encalhado junto à ilha de Giglio, na Toscana, janeiro de 2012)
Uma grande diferença entre o Titanic (nome colossal) e o Concordia (nome apaziguador) foi o modo como deles fomos espectadores. O Titanic chocou com um iceberg nos mares gelados do Atlântico Norte, longe da nossa vista, e à época apenas houve relatos nos jornais, ao passo que o Concordia adernou na plácida baía de uma ilha mediterrânica, à vista de todo o mundo. Na nossa ânsia televisiva, somos espectadores deste naufrágio, desta tragédia que, para quem apenas a observa, se torna um espectáculo, um espectáculo do sofrimento alheio, e talvez uma alegoria do nosso."
Pedro Mexia, Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário