terça-feira, 10 de março de 2009
Os erros do Magalhães
"Anda aí toda a gente escandalizada com os erros do portátil Magalhães. Se olhassem com atenção para o nosso passado não se espantavam.
Os portugueses antigos sempre foram muito portáteis. Transportaram-se para todo a parte do mundo. E sempre cometeram muitos erros.
Só para não ir mais longe, Álvares Cabral, portátil destemido, partiu faz hoje 509 anos, do Restelo. Em 22 de Abril, quiçá por erro de cálculo, encalhou em Porto Seguro. Chamou-lhe então Ilha de Vera Cruz. Erro. Não era uma ilha a Terra de Santa Cruz. Era continente.
Magalhães, o Fernão, outro portátil ainda mais internacional, também fez cópia de erros. Transportou-se muito. Nascido em Trás-os-Montes, em 1480, andou por Goa, Cochim, Quíloa, Malaca. Em Azamor, Marrocos, como quadrilheiro-mor - responsável pela distribuição do produto dos saques após os combates - meteu-se em trapalhices e cometeu erros grosseiros, para não lhes chamar outras coisas. D. Manuel soubera da sua falta de escrúpulos e recusou-lhe a recompensa que Magalhães reclamava pelos seus feitos. Magoado, Magalhães, ruma a Sevilha. Com a ideia maluca de atingir as Molucas, riquíssimas em especiarias, e dar a volta ao mundo ao serviço do rei de Espanha, navegando por mares não reservados aos portugueses pelo Tratado de Tordesilhas. Aparelhou cinco navios, juntou 265 homens, e zarpou. Lá conseguiu - tarefa sempre difícil para um homem - passar o estreito. Este leva o seu nome.
O portátil Magalhães continuou viagem descobrindo a Ilha dos Ladrões. Ilha dos Ladrões no currículo é prestigiante para qualquer grande navegador. Como navegar é preciso, viver não é preciso, Magalhães comete outro erro ainda mais grave - deixa-se atrair, nas Filipinas, a uma emboscada. Abatido, por lá ficou a fertilizar a terra. E quem chegou a Cádiz, cumprindo a viagem de circum-navegação, foi o castelhano Sebastião del Cano. Pode parecer bizarro mas Cano tinha passado o estreito. Em toda esta empresa salvou-se uma nau. E sobreviveram 18 tripulantes. Os restantes 247, como Magalhães, cometeram erros fatais.
Estes sim, são tropeções de monta comparados com os do novo Magalhães. "Dirije" em vez de dirige, "acabas-te" em vez de acabaste, "básicamente", entre dezenas e dezenas de outras formidáveis calinadas, são pequenas distracções de quem ignora mas sabe muito. Se até Margarida Moreira, a delegada da Educação do Norte, tem, entre outros contenciosos, um com a língua portuguesa, por que razão um informático não há-de escorregar nela?
Sejamos compreensivos. O Magalhães está aí para dar muitas voltas ao mundo. Vai acabar com os infoexcluídos, com o insucesso escolar , colocar Portugal na vanguarda da Educação. E adregará. É resistente como a ministra da Educação. Só precisa de ter cuidado com as emboscadas. E de nunca se deixar abater."
José Alberto Quaresma - Expresso, 9 de Março de 2009
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