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segunda-feira, 23 de março de 2009

Antes da Aurora


"E os cavalos desmoronaram o horizonte,
ecos a escorrer úmidos por pedras basilares,
e silvaram, a cortar a madrugada,
agrestes palavras, e bárbaras,
a antecipar-lhe as vozes sibilantes.

A rainha, calva, movia em dificuldades
a língua tensa, entre seixos de ouro
que na boca lhe rolavam,
e todos em seu redor se comprimiam,
madrugada vermelha e escura,
silenciosa a rumor de pedras lançadas.

E, entre o relinchar feroz dos corcéis
e a amarela dança premonitória
e os sacerdotes violentos de presságios,
a rainha, eleita e devorada,
a futura mãe carnívora,
tranças louras d'uma história sincopada,
ensaiava recuperar a voz do Sol,
pedras de ouro p'la boca,
frémito cru, e temeroso,
de que tal demência a arder do astro
se volvesse eterna, enfim, e fatal.

E agitava-se emudecida,
transportada em revoada,
corcéis inquietos e trepidantes,
povo de antes da aurora
a galopar por anteontem de Tróia,
a espezinhar ervas em Atenas, amanhã,
e a galgar, por entre gritos,
o Mar aberto de referências,
a singrar no que Tartessos será
e Roma se chamará, futura,
ávidos de manhãs serenas, em aflições já hoje pressentidas,
línguas rudes a ter de articular
em auroras inquietas, e loucas, e imprevisíveis,
as antenascidas antiguidades."

Luís Alves da Costa, Música Arcaica, 1992

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