Confesso que nunca fui fã da série Star Wars. Mesmo assim, dei por mim a ver vários dos filmes.
Após ouvir alguns entusiasmados elogios, decidi conhecer o capítulo
VIII, para ver o último trabalho de Carrie Fisher e também pela curiosidade de
saber como ficaria Star Wars sem Han Solo e sem Darth Vader, duas personagens
centrais e emblemáticas nesta saga.
A série, criada no final da década de 70, viu os atores
envelhecerem e as personagens irem morrendo. Hoje Star Wars já não conta com
James Earl Jones (a voz de Darth Vader), nem com Harrison Ford (Han Solo) e, a respeito
da saudosa Princesa Leia, parece realmente que Carrie Fisher estava já no fim
da linha. A atriz aparece em visível declínio físico, muito envelhecida para a
sua idade, com uma voz sumida e o rosto bastante inexpressivo pelo
excesso de plásticas. Mark Hamill, continua muito bem como o incontornável Luke
Skywalker, agora convertido num eremita de meia-idade, habitando uma ilha
periférica da galáxia. Assumindo o desgaste causado por muitas batalhas, e após
a última luta, parte serenamente para o Éter, envolvido por um lindo
pôr-do-sol.
Assim a história já vai na terceira geração. Já não existem Darth
Vader, e a partir de agora nem o seu filho, Luke Skywalker, que o combateu e quase o matou.
O lado negro da força aparece, neste capítulo, personificado pelo filho de Han
Solo, Kylo Ren, que matou o pai.
Aqui podemos perguntar-nos o porquê desta tragédia de sabor
edipiano, repetida num macabro xadrez de lutas entre o Bem e o Mal,
personificadas entre pais e filhos.
Kylo Ren é comandado pelo terrível general do lado negro da Força,
interpretado por Andy Serkis, que já conhecíamos da personagem Smeagle, o
nojento, ambicioso e avarento Golum da trilogia "O Senhor dos Anéis".
No final deste capítulo vemos a princesa-general Leia, sereníssima,
apesar de triste, perante o pressentimento de Rey sobre a morte de Luke
Skywalker; como se esta desmaterialização fosse uma inevitabilidade e houvesse
um futuro promissor na própria Rey, a nova Jedi. Leia diz: "The sparkle is
out", diz Leia. Mas quando Rey lhe pergunta se haverá chances de continuar a luta,
esta responde-lhe: "We have everything we need".
Numa visão superficial dos filmes Star Wars, tendemos a deixar
prender a atenção sobre a miríade de efeitos especiais produzidos pela fabulosa Industrial
Light and Magic, de George Lucas. Esta empresa de conteúdos digitais, além de mobilizar muitas centenas de
artistas nestas grandes produções, consegue criar ilusões fantásticas,
que ultrapassam tudo o que pudéssemos imaginar. Desde as personagens mais
bizarras, que cruzam várias espécies de animais inimagináveis, como, por
exemplo, raposas de cristal ou dinossauros mamíferos que alimentam Luke
Skywalker com leite verde, há de tudo em Star Wars.
Quanto aos humanóides, nem é bom falar, pois há criaturas que fariam alguns autores de Banda Desenhada de fantasia parecerem meninos de coro. Algumas sequências, principalmente a do Casino, remetem-nos para a história de BD fantástica “Delirius” de Philippe Druillet, de 1973, e também para séries posteriores, como “Valerian”, de Mezières e Christin ou “Os Companheiros do Crepúsculo” de François Bourgeon. Para já não falar nos robots semi-humanos de Moebius.
Quanto aos humanóides, nem é bom falar, pois há criaturas que fariam alguns autores de Banda Desenhada de fantasia parecerem meninos de coro. Algumas sequências, principalmente a do Casino, remetem-nos para a história de BD fantástica “Delirius” de Philippe Druillet, de 1973, e também para séries posteriores, como “Valerian”, de Mezières e Christin ou “Os Companheiros do Crepúsculo” de François Bourgeon. Para já não falar nos robots semi-humanos de Moebius.
É preciso pois fazer um esforço de descentramento da atenção sobre
estas fantasias e tentar descortinar a substância da narrativa por detrás de toda aquela
"masquerade"!
Apesar de alguns excessos de efeitos especiais a que nos habituou
a estética muito própria desta saga, há aspetos positivos a salientar. Desde
logo haver um número razoável de filmagens em cenários reais que destacam a
Natureza em locais de paisagem privilegiada, o que constitui sempre uma mais-valia
em cinema. As imagens das falésias agrestes sobre o mar, as encostas pedregosas
e íngremes onde Rey vai encontrar Luke Skywalker, as ilhas escarpadas que
de lá se avistam, o lago salgado da última batalha ou as grutas, foram obtidas
em filmagens na Irlanda, na Islândia, na Croácia e na Bolívia. As imagens de
estúdio foram filmadas em Londres. Esta mistura produziu um resultado fabuloso.
Caso contrário, eu jamais aguentaria quase três horas de um filme cujo género
nem sequer aprecio.
Para os adeptos dos efeitos especiais, as cenas de tiroteio, as naves
monstruosas, as máquinas de guerra infernais e as armas de todo o tipo, são servidos em dose
farta e com generosidade. Uma tentação para os jovens que apreciam o cosplay e
que aqui podem vir abastecer a inspiração.
Enfim, perguntada se gostei desta história, respondi que ela deve
ter sido escrita por um tipo louco varrido, com todo o respeito por Rian
Johnson…
A minha leitura é impressiva e emocional? Talvez. Sou muitas vezes acusada de ser adepta do mais estrito realismo no cinema e na literatura. Também é verdade. Não aprecio as narrativas do fantástico a tender para a ficção científica, a não ser em casos raros e verdadeiramente especiais. Este é um deles.
Este filme, sendo do fantástico, mistura misticismo com ficção científica, coloca
a alta tecnologia do futuro no passado, desconstrói as nossas referências espaço-temporais,
mas prende a atenção pela dicotomia que está por detrás das aparências. Todas
as guerras têm dois lados, jogos de poder, lutas territoriais, questões de
domínio, etc. Mas em Star Wars há, mais do que isso: há uma dialética de
valores do humano, pelo que a guerra fundamental é entre o Bem e o Mal, ou, dito de outra
forma, os dois lados da Força.
Vê-se como é fácil aos humanos resvalar para aquilo que os antigos
chamariam a "tentação do mal"; trata-se não só da vaidade, da ambição
e da ganância, mas também do apelo inexorável pelo mais fácil, o menos
trabalhoso, o mais lucrativo, o que exige menos esforço e menos empenho ou
educação do próprio. É isto que transparece nesta alegoria do Mal, aqui chamada
o "lado negro da Força". O Bem, por seu lado, exige ponderação,
persistência, trabalho, educação e esforço próprios, enfim, um longo e por
vezes penoso caminho de ascese, que muitos recusam. E é precisamente desta recusa
e das tentações do facilitismo que resulta a crise de valores que hoje vivemos.
Dito de outra forma, é este o lado negro da Força que hoje temos e que resulta
da inveja e da ganância. E a consequente banalização do Mal, de que tanto
falava Hannah Arendt.
Apesar de, como dizem, "eu não ser de fantasias", às
vezes apetecia-me ser um(a) duende, viver numa floresta encantada, rodeada de
seres do Bem e empunhar, quando necessário, o meu sabre de luz para enxotar
para longe o lado negro da Força, que existe de facto e que, assim que baixamos
a guarda, nos vem arranhar a pele.
May the
Force be with you, folks!