terça-feira, 21 de julho de 2009
HERGÉ – Ficção terrestre, realidade lunar
É bem conhecida a aventura lunar de Tintin & Cª; a imagem do foguete pousado no silêncio de uma cratera lunar ou aquela em que o herói dá ali os primeiros passos e diz: “Pela primeira vez, sem dúvida na história da humanidade, caminha-se sobre a Lua!”. Menos conhecida é certamente a procura incansável de documentação a que o autor se entregou, o esgotamento que o atingiu e a criação dos Studios Hergé. É sobretudo disso que aqui quero falar.
Tudo começou nos finais de 1949 – 20 anos antes da expedição Apolo 11! – quando Hergé decidiu enviar os seus heróis... à Lua!
Em Abril de 1950 leu avidamente o livro L’Astronautique de Alexandre Ananoff, recentemente publicado. Logo escreveu ao autor, explicando-lhe que preparava uma história de antecipação chamada On a marché sur la Lune. "Eu desejo" – disse ele – "tratar este assunto com o máximo de verosimilhança e gostaria que as minhas personagens, na sua viagem à Lua, utilizassem uma astronave tão verdadeira quanto possível". Pediu esclarecimentos sobre a nave representada no livro, a cabina de pilotagem e os seus instrumentos. Ananoff respondeu-lhe com entusiasmo, esclarecendo-o, desejando-lhe sucesso e aprovando inteiramente o seu desejo de se documentar seriamente, já que, segundo ele, "as crianças devem conhecer agora as bases essenciais de uma ciência nova com todo o rigor que se impõe".
Mas antes que uma missão chegue à Lua é preciso que saia da Terra!... Ciente da dificuldade da empresa, Hergé não descurou a sua decisiva fase inicial. Assim, dos dois álbuns em que se desenrola a história, dedicou o primeiro inteiramente à preparação da viagem e à emocionante partida. E, em Agosto de 1950, não hesitou em pedir o apoio de um especialista, o director do Centre nucléonique des ACEC; "a acção" – esclareceu – "desenrola-se num centro de pesquisas nucleares. Confesso que fui um pouco temerário ao enveredar por essa via".
Hergé atravessava na altura um período bastante difícil da sua vida. Fora atingido por um esgotamento e, em Setembro, teve novo ataque depressivo, "muito mais grave e mais profundo que o do ano passado, em que apenas os nervos foram atingidos" – escreveu ele ao seu amigo E.P. Jacobs. – "Agora é a cachimónia que não quer mais".
A história foi interrompida, com o seu herói em convalescença no leito do hospital, e só ano e meio mais tarde os leitores da revista Tintin puderam ler a continuação.
Duramente, a pouco e pouco, Hergé recuperou. Em Fevereiro de 1951, contactou o desenhador Bob de Moor. Um ano depois, On a marché sur la Lune retomava a publicação numa rentrée sensationelle. Para isso, o seu autor tomara uma decisão capital: a fundação dos famosos “Studios Hergé”, que Bob de Moor integrou formalmente em Setembro de 1952 e do qual era já um elemento indispensável; a ele se deve muito do trabalho investido na história, como a imagem de página inteira em que se vê o foguetão de Tournesol enquadrado por duas torres de montagem.
Esse aparelho é, de facto, herdeiro directo da obra de Ananoff. E, segundo o biógrafo Philippe Goddin, a verdadeira vedeta da aventura lunar ficará a ser o foguete do professor Tournesol, chamado a figurar entre os objectos míticos da história mundial da banda desenhada.
Luis Diferr
NOTA: muitas informações aqui registadas foram retiradas da excelente biografia Hergé, Lignes de Vie, Éditions Moulinsart, 2007, de Philippe Goddin.
Imagens:
1. Studios Hergé, Ils ont marché sur la Lune, Editions Casterman/Centre Wallonie Bruxelles à Paris, 1985
2. Hergé, Objectif Lune, Editions Casterman, 1953, pág. 42
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