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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

As faces da figura controversa de Jesus Cristo







Não sendo eu especialista em questões teológicas e muito pouco crente, não me atrevo muito a opinar sobre o significado de Cristo no mundo contemporâneo.

É para mim uma figura controversa, e, mesmo para os religiosos, o seu perfil como pessoa do mundo antigo está longe de ser consensual.

Contudo, não pude ficar indiferente a um artigo do último número da Visão, onde se questiona várias personalidades da vida política portuguesa sobre se Cristo seria de esquerda ou de direita, se vivesse hoje.

À inutilidade da pergunta, estranhamente, não se junta o espanto dos entrevistados, como seria de esperar.

Pessoas como o Padre Carreira das Neves, Maria José Nogueira Pinto, José Manuel Pureza ou Maria do Rosário Carneiro, apressam-se a afirmar coisas tais como que "Cristo seria de esquerda, pois andava com os desclassificados e marginalizados", "protegia os mais desfavorecidos", "defendia as minorias", "foi morto pelos que estavam no poder", "pôs-se sempre ao lado da transformação", "defendia que somos todos filhos de Deus, logo, iguais", ou "seria a favor do casamento dos homossexuais"!

Foi imenso o meu espanto ao ler estas opiniões, porquanto me lembro de ter aprendido na catequese a partir da leitura de passagens dos Evangelhos, que Cristo terá dito que seria impossível um rico entrar no reino dos céus e era contra o divórcio...!

Seria assim a sua tão famosa "tolerância"?

Não sei como é que estas personalidades podem ser tão positivas sobre o pensamento de um homem controverso que nasceu há mais de 2000 anos, que, tal como Sócrates, parece que nada escreveu, já que tudo é (re)contado pelos apóstolos, sabe-se lá se bastante deturpado segundo as conveniências, e depois, milhentas vezes traduzido, adaptado, cortado e truncado ao longo dos tempos.

A acrescer a isto existem, de facto, as dificuldades hermenêuticas inerentes às diferenças das várias línguas, a começar pelo Hebraico, e a subordinação das traduções aos interesses das várias religiões de raiz cristã, porventura cada uma mais longinquamente posicionada do que a outra em relação às (hipoteticamente) "verdadeiras" intenções do seu inspirador!

A personalidade de Cristo tem sido retratada ao longo dos tempos das mais diversas formas: desde o maior dos santos milagreiros, que curava leprosos só de lhes pôr a mão em cima, transformava a água em vinho e multiplicava os pães, punha cegos a ver e paralíticos a andar, até, mais recentemente no século XX, como um quase marginal errante que fazia parte de um bando que tomava mescalina, como nas óperas-rock dos anos 70.

Logo, a pergunta se Cristo hoje seria de esquerda ou de direita, não faz qualquer sentido, na medida em que essas categorias não existiam no seu tempo e não se pode compreender nem um filósofo nem um profeta fora do seu tempo e do seu contexto histórico.

5 comentários:

  1. Estou aberta à discussão deste assunto.
    Se houver quem esteja disposto, óptimo: há certamente muita gente a saber pormenores que eu desconheço no imenso mundo da teologia cristã.

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  2. E esqueceste-te do facto de que Cristo nunca deixou nada escrito. Apenas se sabe o que quem esteve com ele disse que ele disse.

    Junta a isto a questão das traduções, especialmente as primeiras, que foram feitas mais por interpretação do que por tradução literal. Ainda dentro disto, junta o facto de ter havido traduções de traduções.

    Assumindo mesmo que o que foi originalmente escrito eram mesmo as palavras de Cristo e que ele era mesmo filho de Deus, só pelas traduções de traduções é de olhar com suspeição para o que é realmente a palavra de Deus.

    Pessoalmente, a palavra de Deus que é transmitida pelas três religiões monoteístas é mais palavra de Homem do que divina. Para se controlar as massas nada melhor que dizer que as leis são de Deus e não de quem está no poder.

    Sim heresia. Talvez. Mas se for eu entender-me-ei com Deus quando for ter com ele e não com Homens. Tenho a certeza que ele não levará a mal em eu ter vivido de acordo com o que o meu coração diz que é a vontade de Deus e não com de acordo com as palavras e vontades de outros Homens.

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  3. Lelé
    Concordo contigo: é peregrina a ideia de colocar Jesus na esquerda ou na direita, conceitos criados após a revolução francesa.
    Jesus Cristo é para os cristãos o filho de Deus vindo com uma missão salvífica. Um homem sábio mas simples, dotado de poderes inexplicáveis à luz da Ciência e que esteve na base da criação de uma civilização que tem dois mil anos. Jesus não se explica de forma racional. Já Paulo de Tarso, o estratega que criou a religião cristã, se pode compreender de forma racional. Foi um corajoso obstinado: o verdadeiro criador da Igreja Cristã e o homem que esteve na origem da matriz cristã da civilização a que pertencemos e que tem 3 pilares: o classicismo greco-romano, o judaísmo e o cristianismo.

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  4. Elenáro
    Não me esqueci, não.
    Está dito no 8º parágrafo do meu texto:
    "tal como Sócrates, parece que nada escreveu"
    e são salvaguardadas todas as dúvidas em relação às traduções.
    Não entendo a tua posição como sendo herege.
    E se for, nesta casa também há lugar para isso.

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