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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Em resposta a uma nota sobre emigração

(Pintura cuja autoria não foi possível identificar)
Em resposta a uma nota sobre emigração
Também não quero emigrar. Há pessoas, locais, cheiros e memórias das quais não me quero separar tão cedo. Apesar de considerar que os alunos deste país precisam da minha energia e motivação para lhes poder ensinar a amar a sua língua e literatura, de lhes ensinar que Fernando Pessoa não é um produto de marketing, mas de sensibilidade e inteligência, de lhes ensinar que Camões não é só um zarolho, que os poetas existem para lá dos interesses editoriais e é difícil encontrá-los nas estantes das livrarias e nos seus manuais escolares, de lhes ensinar que há muitas coisas que deveriam saber e não sabem, de lhes ensinar que há pessoas na casa dos 20 anos que insistem que ser professor não é uma segunda opção nem coisa exclusiva da geração dos nossos pais... Apesar de considerar que eles me vão ensinar a crescer, a chorar e a desfazer todas as minhas crenças estúpidas, a lembrar-me que algumas palavras já não se escrevem com "cê", que um número numa grelha de Excel exige muitas alíneas, que não deverei ser tão infantil e egocêntrica como eles, que deverei aproveitar melhor o espaço do quadro, refilando que a minha letra é quase ilegível, que vale a pena trabalhar a recibos verdes, descontando mais do que aquilo que ganho para uma reforma que possivelmente não existirá... Apesar de tudo isso, estou tentada a não desistir. Talvez quando a profissão de professor seja semelhante a uma dieta de pão e água, haja muitos gordos que optem por outras áreas. Se não houver lugar para mim, trabalharei noutras áreas em que já trabalhei para ser professora aos 23 anos, a tirar cafés, limpar cinzeiros, vender mil euros de roupa de marca em 8 horas, servir sopas em eventos da minha universidade... Mas, dessa vez, será para poder ter filhos no meu país, para que tenham professores jovens e velhos, mas felizes. Se não for possível, então, adeus, País. Pobre de ti, serás novamente um mero retrato a preto e branco.
Cátia Barroso, professora de Português, 21/12/2011





















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