Composição gráfica de Luís Diferr
Contigo me habituei a entrar para dentro da tela e sonhar acordada, com
heróis, fadas e anões, animais que falavam, imperatrizes, reis e soldados que
escreveram a História com glórias e paixões ou feitos valorosos.
Até nas infantis brincadeiras, o Cinema era o nosso cenário preferencial: o
Mabé era o cowboy, eu a rapariga e tu o nosso cavalo bom. Às tuas cavalitas
percorríamos montes, vales e ribeiras, atrás dos Índios ou a fugir deles. As
tropelias acabavam sempre com os três no chão do quarto de brincar, contigo
exausto, nós felizes e perdidos de riso.
Contigo aprendi a amar a arte, a magia, a fantasia do Cinema. Contigo
aprendi a ver, intuir e ler nas entrelinhas, captar a expressão dos olhares, os
subentendidos que, num tempo de trevas e medo, me ensinaste a compreender.
Aprendi a imitar a beleza singela, mas também a apreciar a altivez
feminina, orgulhosa, das divas do Cinema que o glamour de Hollywood soube tão bem cultivar.
Mas também sofri com os dias a preto e branco dos tenebrosos anos da Itália
do pós-guerra ou dos dramas passionais de Rossellini. Amei com Gianni Morandi,
chorei com Lara e Jivago, dancei com Rita Pavone, aprendi o que era a subtileza
das expressões com James Bond, a elegância discreta com Ursula Andress, o gosto
pelas viagens com David Lean… e sei lá, tantas outras coisas!
Entretanto, tu que adoravas Virgínia Mayo e Erroll Flynn, tornavas-te num
verdadeiro espadachim pela difusão da Cultura, um Robin Hood da 7ª Arte,
levando generosamente sonhos, evasão e fantasias a povos isolados e ingénuos,
quantas vezes circunscritos aos horizontes de um quotidiano opressor.
Obrigada, Pai, pela tua luta, pela tua tenacidade, a que alguns chamam
teimosia e eu chamo persistência. Aquela persistência que só os que sabem ter
razão conseguem levar por diante.
Valeu a pena teres sido um guardador de sonhos durante estes 50 anos. E
parares, de vez em quando, para olhar a Lua ou fazer um verso.
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