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segunda-feira, 21 de junho de 2010

"E agora, José?"


O poema que envio é de Carlos Drummond de Andrade e o próprio Saramago refere, numa das suas crónicas, que o acompanhava desde sempre e considerava mesmo um privilégio dispor dele, porque se chamava José e, ao longo da vida, muitas vezes se interrogou: "E agora, José?"

Acho que o poema e/ou interrogação faz sentido, após estes dias de consternação e tristeza, por isso não quis deixar de o enviar. No entanto, hoje já é um novo dia e temos que o encarar com serenidade, para continuar a caminhada...
L.A.

JOSÉ

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

(...)

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?"


Carlos Drummond de Andrade

Ilustração de Tacci, in Portugal, caramba!

2 comentários:

  1. Pessoa, Eça e Camões, fartos de esperar lá em cima...

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  2. E nada mais a homenagear Saramago, Drummond que também já partiu! Lindo poema!! Uma boa semana para vocês ;)

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