Desenho de Pedro Domingues, meu ex-aluno.
Já devo ter alguma idade, pois continuo a indignar-me com certos facilitismos, para não lhe chamar baldas e falta de vergonha. Sou de uma era pré-Bolonha e a minha licenciatura foi feita com trabalho a sério, mesmo daquele pré-Internet, sem copianços nem fraudes. Era queimar pestana, após ano, a doer, atrás dos calhamaços, e, muitas vezes vendo a primavera e o verão lá fora, do lado de dentro da vidraça da imponente Biblioteca da Faculdade de Letras.
Tenho a honra de ter frequentado uma Faculdade de gente séria e de ter feito uma licenciatura "limpinha", à custa de leitura, discussão, escrita e muitas noites em branco.
Marcou-me pela positiva. Ficou-me o jeito e o gosto. Ainda hoje gosto de passar noites inteiras a escrever e a pensar. Sozinha com o meu candeeiro, como há 30 e tal anos. A mesa não é a mesma e troquei a velha máquina de escrever por um portátil. Já não encho o chão de folhas inutilizadas, pois esta coisa permite-me emendar as gralhas sem estragar o documento, como acontecia nessa época.
Licenciei-me de cabeça cheia e alma lavada. Fui muito feliz na Faculdade e recordo cada passo daqueles quatro anos como se fosse ontem.
Oito anos mais tarde, já a trabalhar como professora do Secundário, resolvi fazer outro curso superior, mais quatro anos, desta vez em Língua e Cultura Italiana.
Acumulei portanto dois diplomas, o que me equivaleu a oito anos de estudo aplicado e muitas cadeiras feitas, a começar em Filosofia Antiga, com 18 anos e a acabar em Tradução, aos 35.
Pelo meio, Lógica, Antropologia, Estética, Ética, Epistemologia, Psicanálise, Ontologia e mais não sei quantas Histórias da Filosofia, Filosofia do Conhecimento, das Ideias e da Cultura, da Linguagem...
Mais tarde doses maciças de Gramática, de Literatura, de História e Cultura Italianas, eu sei lá, no total dos dois cursos, umas boas dezenas de disciplinas, todas anuais.
Pelo meio das aulas e do estudo havia as dissertações, as discussões, os testes e os trabalhos, cujo ponto crítico era a defesa oral; escrever nunca me custou. Lembro-me mais das náuseas matinais do que propriamente de ter medo de encarar o professor, mas frequentemente o suor aflorava na palma das mãos quando ia ao quadro apresentar os meus trabalhos virada para a turma.
Mesmo sendo já professora quando estudei Italiano, o facto de ali ser aluna, fazia toda a diferença. E a tensão era proporcional à responsabilidade e ao empenhamento.
Orgulho-me dos meus estudos e não os trocaria por nada. Prezo muito as Instituições de prestígio que frequentei e posso dizer que honro os meus diplomas.
Talvez por isso, vejo com dificuldade a mixórdia de cursos superiores que hoje se concedem a troco de equivalências (ou pior do que isso). Os casos de Sócrates ou Relvas devem ser apenas a ponta do icebergue de muitos casos de cursos comprados.
Não sei se a Universidade em questão é ou não uma casa respeitável, mas todo o ruído à volta destes casos deixa-me francamente mal impressionada.
Se por uma trágica reviravolta do destino, um dia perder a vergonha, vou lá bater à porta. Com muitos anos de serviço e já tendo feito uma enorme diversidade de tarefas na minha experiência profissional, pode ser que saia de lá com um doutoramento pret-à-porter.
Nessa altura estarei pronta para ingressar numa carreira política.
Subscrevo linha por linha a sua raiva, que é igual à minha, mesmo não tendo curriculum à altura.
ResponderEliminarMas amiga esqueceu-se de uma coisa, não lhe bastaria perder a vergonha e ir lá bater á porta. Primeiro tem que ir para um partido político e mesmo assim não se a rejeitariam por ter trabalhado já tanto...
Ah pois, esqueci-me desse "piqueno" detalhe: não tenho cartão do partido... !
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