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segunda-feira, 27 de abril de 2009

Fazer downloads ilegais merece cortar acesso à Internet?


"O debate sobre downloads ilegais é tão antigo quanto a Internet, pelo menos desde que há largura de banda suficiente para deixar passar música e filmes. Mas nenhuma proposta tinha ido tão longe como a que será discutida quarta-feira no Parlamento francês. Propõe-se que, depois de dois avisos, os cibernautas que descarregam música sem pagar fiquem impedidos de aceder à Internet. Entre os acérrimos defensores e os que deploram a lei, todos procuram responder à pergunta: há ou não violação da liberdade de expressão?

A lei Criação e Internet já foi reprovada, mas apenas por 21 votos contra 15. As abstenções foram torrenciais, pois o Parlamento francês tem 577 deputados. Mas, apesar dessa reprovação, voltará a ser debatida na quarta-feira. É apoiada pelo Presidente Nicolas Sarkozy e é também conhecida por Lei Hadopi, o acrónimo em francês de Alta Autoridade para a Difusão de Obras e Protecção dos Direitos na Internet - a organização que, caso a lei seja aprovada, ficará responsável pela aplicação de sanções.

Esse é, aliás, um dos aspectos mais polémicos da lei: ficar nas mãos de uma entidade não judicial a decisão de impedir um cidadão de aceder à Internet. Mas o principal argumento de quem contesta a proposta é o facto de se poder estar a restringir direitos fundamentais como a liberdade de expressão e o acesso à informação.

O projecto francês foi na semana passada centro de uma polémica na União Europeia, entre os eurodeputados e o Conselho Europeu, e está a pôr em causa a aprovação de legislação sobre telecomunicações.

Na quarta-feira, os eurodeputados da Comissão para a Indústria, Investigação e Energia aprovaram uma emenda proposta pela eurodeputada Catherine Trautmann, antiga ministra da Cultura francesa e socialista. A emenda diz que "nenhuma restrição pode ser imposta aos direitos e liberdades dos utilizadores finais sem decisão prévia das autoridades judiciais". Ou seja, é contestada a proposta francesa de criar a Hadopi.

Essa emenda já tinha sido aprovada pelo Parlamento Europeu numa primeira leitura, mas foi rejeitada pelo Conselho Europeu em Outubro. Agora debate-se até que ponto é que a emenda aprovada impede a aplicação da proposta de lei francesa.

Para a ministra da Cultura francesa, Christine Albanel, a lei Criação e Internet não está em causa. "A emenda não impedirá a França de adoptar a sua lei, pois a suspensão do acesso à Internet após várias advertências não é um atentado aos direitos e liberdades fundamentais", disse à AFP. Já Trautmann defende que "um debate nacional não pode ter prioridade sobre a decisão de 27 países da UE".

A proposta de lei francesa é inédita e deixa os especialistas na expectativa. "Parece-me que se está a ir longe de mais", diz Patrícia Akester, advogada e investigadora do Centro para a Propriedade Intelectual e Direito da Informação na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

"Na perspectiva do utilizador pode defender-se que, se for negado o acesso à Internet, se consubstancia uma anulação do direito de liberdade de expressão", diz a investigadora, que sublinha o facto de haver outras hipóteses antes de se cortar o acesso. "Há a possibilidade de usar medidas tecnológicas para proteger os direitos de autor e outras medidas que não foram exploradas". A proposta francesa, diz, é precipitada, "requeria mais estudo para que se chegasse a uma solução justa e equilibrada".

A legislação sueca permite que um titular de direitos de autor peça em tribunal que seja revelada a identidade do utilizador de um endereço que possibilite downloads ilegais. O modelo proposto em França já foi rejeitado em Espanha, onde a Coligação de Criadores e Indústrias de Conteúdos propõe agora centrar-se na punição das páginas que permitem cópias ilegais.

Em Portugal, a violação de direitos de autor pode ser penalizada com uma pena de prisão até três anos. Mas o que está a ser debatido em França é inédito por se dirigir aos utilizadores finais e não aos fornecedores de acesso à Internet ou os promotores de sites de downloads ilegais.

"É uma solução estranha, porque nunca se foi tão longe na perseguição ao consumidor final", explica Manuel Lopes Rocha, especialista em propriedade intelectual do escritório de advogados PLMJ. Lopes Rocha antevê um cenário em que a lei é aprovada no Parlamento mas poderá depois ser chumbada pelo Tribunal Constitucional francês, por poder colidir com o direito de liberdade de expressão.

"Goste-se ou não, há hoje enorme discussão no mundo dos direitos de autor sobre os direitos fundamentais", adianta. "A França teve o mérito de desencadear o debate, mas deve ficar por ali, porque vários países já anunciaram que não vão seguir esse caminho"."

Público.Pt. - Isabel Gorjão Santos, 27.04.2009 - 08h49

Meu Comentário:
A pouco e pouco, vamos vendo aparecer algumas situações em que os direitos e liberdades dos cidadãos começam a ser colocados em causa.

A pretexto da punição da pirataria informática, pode ver-se seriamente restringida a liberdade de acesso e navegação livres na Internet, quando, na verdade, as verdadeiras razões se prendem com os interesses económicos das empresas de telecomunicações; às mesmas interessa, obviamente, ganhar mais, em função de pacotes de sites pagos, que os cidadãos terão de subscrever, como se fosse um serviço de televisão por cabo, por exemplo.

O produtor de cinema Paulo Branco e a actriz Catherine Deneuve já se manifestaram contra esta medida. Isto é bastante significativo pelo facto ambos estarem envolvidos na indústria cinematográfica e lhes interessar, nessa conformidade, combater a pirataria e proteger os direitos de autor. Mas para eles a liberdade dos cidadãos não pode, apesar disso, ser ameaçada.

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