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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Acordo ortográfico - a discórdia acesa 2


Pedi a alguns editores de Blogues amigos para se pronunciarem sobre esta polémica e alguns fizeram comentários muito interessantes que aqui reproduzo pela sua pertinência, embora com perspectivas distintas.

Há um que pela sua extensão foi publicado no respectivo Blogue e pode ser lido em Krónikas Tugas.



1. "A minha opinião não é uma opinião, é um testemunho, a de um escritor, e por aí corre que nem mau escritor.

O meu primeiro poema, já com a nova ortografia, data de 2/1/09.
Quando os textos são bons, só se repara na ortografia ao fim, e quando se repara, porque se não se reparar, é sinal de que os textos pairam bem acima do grafado, portanto, compete aos escritores escreverem bem, porque, se não escrevem bem, o "falazar" e o "escrevinhazar" popular encarregam-se de corrigir pronúncia e grafia, como fizeram, desde o tempo que nos separou, do Latim, ao Português corrente.

Este outro poema, é de 2/1/2010:

"O Sol do Poente quebrado
E os ritmos do ocre incandescente
A marcar a ascensão da estrela inteira,
Mapa dos Céus da ancestralidade,
Um deus e mais outro e outro deus ainda,
A semear de signos a Abóbada dos Lugares Sagrados,
E quando a lenda se consumou,
Cumpriu-se o rito,
E a profecia e a voz do ato anunciado.
Pois chegara a hora do repouso.
E foi assim."

Ficaram chocados com o Accordo Ortográphico?... Então escrevam um melhor, com a grafia antiga..."


Luís Alves da Costa


2. "Eu sou perfeitamente contra o acordo e recusar-me-ei a escrevê-lo, enquanto e sempre que tal seja possível.

O porquê é simples. Eu lecciono aulas de inglês e, nessa língua tão universal, não há acordo ortográfico nenhum nem tão pouco se pensa nisso. Não faz sentido alterar as coisas quando todos se entendem na perfeição.

Acrescento ainda que este acordo e tal mudança devia ser decidido por aqueles que falam a língua. Por referendo, por aclamação nas ruas pouco me importa. O certo é que não houve debate, não houve sondagem sobre se os portugueses, brasileiros, angolanos etc... queriam ou não isto. Certamente que não me parece que tal fosse preocupação de quem fosse.

Os brasileiros conseguem ler o nosso português e os portugueses conseguem ler o deles. O mesmo se passa com angolanos, cabo-verdianos e os restantes países lusófonos.

Então, se tudo está bem, se não há problemas para a população em geral, nem tão pouco para as minorias migrantes, para que raio se vai mexer nas coisas?

Digo mais, não reconheço autoridade a qualquer estado para dizer ao seu povo como deve ou não falar ou escrever. As línguas são património do povo, são algo que são criadas pelo povo e que evoluem e sofrem alterações naturalmente. Foi assim que se passou do latim para o português. Não vejo razão nenhuma para agora um painel de uns senhores que não foram eleitos por ninguém virem agora ditar leis de como escrever seja que língua for e muito menos a língua do país onde nasci e cresci e que é minha também.

É um absurdo provocar evoluções linguísticas por decretos. Já basta as distorções que os castelhanos fizerem ao galego e que os portugueses fizerem ao mirandês, numa tentativa de aproximar essas línguas do país onde se inserem. É ridículo e apenas é feito por motivações politicas. Como de resto já toda a evolução mais recente da língua portuguesa foi feita. Basta!

A questão dos sotaques em Portugal é notória da trabalhada que os supostos intelectuais de Olisipo impuseram ao país. Nota-se no facto de no sul não se dizerem os ditongos e no norte se acentuarem os ditongos à boa maneira castelhana e francesa. O -ão passa a -on no norte e o -ou a -ô no sul. Só se escreve da mesma maneira por questões politicas.

Por isso repito: basta de forçar uniformidades linguísticas onde elas não existem. Deixem as línguas evoluírem naturalmente. Deixem liberdade às pessoas de criarem e recriarem aquilo que é delas naturalmente sem ditames governativos ou, pior, ditames de intelectuais que nem sequer mostram a cara por aquilo que criam.

Sou contra e hei-de ser sempre contra qualquer normalização línguistica que altere a história da mesma."


Elenáro


3. "Sobre o acordo tenho uma opinião difusa e nem pensava escrever sobre o assunto. Mas já que me puxaste para a conversa, cá vai. Vejo a questão por dois aspectos:

1. a abordagem da questionável mudança pela força da lei e

2. o prisma das vantagens que a união traz.

A língua não é uma coisa estática, di-lo alguém (eu) leigo na matéria mas ciente das abordagens prescritivas em oposição às correntes descritivas da língua.

Os acordos normativos são importantes. Não fossem eles, ainda em Portugal se media o milho em alqueires e em outras unidades nos restantes países. Neste aspecto, a língua como ferramenta ganha com a uniformização. Textos publicados cá seriam iguais noutras regiões onde se fale português. Mas é precisamente neste aspecto que entra a inutilidade da mudança, já que a escrita não passará a ser comum. Haverá algumas aproximações e, a não ser que outras se sucedam, a inutilidade do acordo é patente.

Quanto à mudança pela legislação, parece-me um caminho sem destino. Se alguém teimar em escrever de acordo com a ortografia que aprendeu, o que lhe sucederá? Vai presa? E quem escrever com a nova ortografia mas com erros, fica livre?

Na minha opinião e porque entendo a língua como algo que muda, aceito que um acordo ortográfico definisse um dicionário e uma gramática comuns. Mas julgo que estes instrumentos da língua devem reflectir a língua viva e não a língua idealizada por alguns. O resto é política."

Jorge do Fliscorno


O debate continua aberto e todos os contributos serão bem-vindos. Pode ver aqui as principais alterações introduzidas pelo acordo. Antes que fique com a sensação de que deixará de saber escrever...

10 comentários:

  1. O Krónicas Tugas foi ao cerne da questão e da trafulhice que é este acordo ortográfico. Vou transcrever para aqui o que foi dito então no referido blogue.

    5 – Quanto às consoantes mudas, aí até sou capaz de compreender, porque apesar da sua função de abrir a vogal seguinte, a pronúncia não terá grande tendência a alterar-se. Essa ainda será a mudança que menos me incomoda, apesar de tornar difícil distinguir um “corrector” ortográfico dum “corretor” da bolsa de valores. O que já não faz sentido é uma série de alterações que, longe de trazerem algum ganho, só vêm lançar a confusão, nomeadamente ao nível dos hífenes. Qual é a vantagem de transformar mini-saia em minissaia? E director-geral em director geral? Isto é que é o caos, porque há hífenes que desaparecem e as palavras separam-se, enquanto noutros casos dobram a vogal.

    6 – Mas a grande aberração ainda vem a seguir: é que ao admitir a escrita de acordo com a pronúncia entra-se no domínio do vale tudo. Se cada um escreve como fala, então tudo é legítimo, até um portuense escrever que “eu beijo o cu daquela baca” enquanto um lisboeta escreve “eu vejo o cu daquela vaca”! Pior que isso, com a obsessão de fazer cair consoantes mudas, a “uniformização” cria situações de dupla grafia quando antes e grafia era igual. Como os brasileiros lêem o “c” de “perspectiva” ficam com ele. Como os portugueses não o lêem o “c” cai, e assim se tornou diferente o que antes era igual.

    A isto, a não ser que com o acordo se tenha mudado o significado das palavras, não se dizer que seja uniformização.

    Quando aquilo que antes era igual agora fica diferente e quando as coisas mudam de duas ou três maneiras diferentes, juntando a questão da escrita conforme os sons, então o que se tem é 50 ortografias diferentes. Em vez de passarmos de meia dúzia de maneiras de escrever para uma, estamos é a multiplicar as coisas para 10 vezes mais.

    E já agora aproveito para levantar uma questão. Para se escrever com a nova ortografia vai ser preciso aprende-la, certo? Assim sendo, quanto tempo acham que será preciso para ensinar 250 milhões de pessoas, muitos deles até sem acesso a escolas, outros ainda com já décadas de grafia antiga em cima a escrever com a nova? Arrisco dizer, 50 anos.

    Por isso pergunto: em 50 anos a língua vai permanecer estática? É que se calhar, quando toda a gente já souber escrever conforme as regras deste acordo será já preciso outro.

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  2. Elenáro

    O Kroniketas tem razão quando fala das diferenças que existem entre a grafia de algumas palavras no Reino Unido e nos EUA.

    O mesmo poderia coexistir entre Portugal e o Brasil, deixando que cada um continuasse com as suas especificidades linguísticas, em vez de querer arranjar "quase à força" acordos que estão longe de ser consensuais.

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  3. Lelé Batita,

    Mas o problema está mesmo aí. É que não vai haver grafia comum nenhuma. Essa é que é a questão. A grafia, com a possibilidade de se escrever "foneticamente", vai criar imensas maneiras diferentes de escrever a mesma coisa, mesmo dentro dos próprios países.

    De resto é como se diz, no inglês há grafias e sotaques diferentes de país para país. Na Commonwealth of Nations eles entendem-se perfeitamente sem precisarem de acordos. Para que raio vamos nós inventar coisas?

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  4. Os senhores da Intelligenzia inventaram esta pseudo-necessidade. Vai ser implementada, podemos estar certos disso; é uma questão de tempo.
    Houve uma petição cntra o acordo e foi pedido à ministra Isabel Alçada que retarde a sua entrada em vigor.
    A meu ver deveria ter havido uma discussão antes de o facto estar consumado.

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  5. Lelé, só entra em vigor se as pessoas quiserem. Se ninguém escrever como o acordo quer, ou se forem poucos a fazê-lo, se os professores baterem o pé e não o ensinarem, se os jornais não forem na onda do acordo e baterem eles também o pé e por aí fora, não há nada para ninguém. Fica tudo em águas de bacalhau.

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  6. Já estão a escrever segundo o acordo na RTP2, pelo menos. Os jornais não sei.
    Eu continuarei a escrever e a dizer aos meus alunos para escreverem do modo habitual; até que me obriguem, será assim.
    A comissão de exames do ME já tem em mãos a batata quente e penso que vai ter de aceitar as duas grafias já nas provas deste ano e os professores correctores (não confundir com corretores) terão instruções para não marcar erro nas palvras escritas segundo o acordo.
    É o que circula nos meios ligados ao assunto.
    O corrector ortográfico do meu PC assinala os erros ao modo tradicional e não me apetece mudá-lo por enquanto.
    Quando toda a gente escrever na blogosfera à maneira nova, não terei outro remédio.
    Ou então fecho o Blogue por estar out! :-)

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  7. Em Portugal é instituída uma lei específica (Lei n.º 107/01) que no artigo 2º conceitua o património Cultural como:
    Artigo 2º

    1. Para os devidos efeitos da presente lei “integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização.”

    2. “A língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português.”

    Estou totalmente em desacordo com o acordo. Não percebo como é que a lingua portuguesa, que faz parte do nosso património nacional pode ser assim tão maltratada, com estes atropelos.

    Como dizia o Jorge Amado "não há acordo que me faça escraver de forma diferente"

    Safira

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  8. Todos os textos do heterónimo "Arrebenta" utilizam o Novo Acordo Ortográfico, ou, pelo menos, estão a tentar utilizar :-)

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  9. Sim, já reparei.
    Cada um que escreva como quiser no âmbito literário.

    Já o José Saramago "infringiu" regras de pontuação, por exemplo, por liberdade literária e ninguem deixou de entendê-lo por causa disso.

    Tudo bem com o Arrebenta, desde que seja o verdadeiro, não os/as falsos/as "Arrebentas" que por aí andam a lançar provocações e injúrias nos Blogues de gente de bem.

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