segunda-feira, 15 de março de 2010
Devia morrer-se de outra maneira
"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."
José Gomes Ferreira
Poema enviado pela nossa colaboradora L.A.
Imagem: "Poeta: incendeia a espada!” (Retrato de José Gomes Ferreira) - Pintura em acrílico de Mário Dionísio, 1989.
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É difícil...pois se tivessemos que escolher muitos são egoistas e nunca iriam querer morrer...a morte é o maior medo do ser humano...
ResponderEliminarA morte nos faz aprender a viver novamente um dia de cada vez...paz.