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Jacques Martin, autor de banda desenhada, notável ilustrador e inspirado contador de histórias, exigente criador de sete séries das quais
ALIX e
LEFRANC são as mais famosas, faleceu esta madrugada.
Nasceu em Estrasburgo no dia 25 de Setembro de 1921; tinha, portanto, 88 anos e deixa uma obra ímpar, a solo ou com diversos colaboradores, sobretudo desde a doença ocular que o afligiu a partir do final dos anos 80.
Conheci-o pessoalmente em Março de 1990 no Salão de BD da Sobreda. Mais recentemente, em Outubro de 2002 comecei a trabalhar sob a sua supervisão no álbum
LE PORTUGAL, de
“Les Voyages de Loïs”, que deverá ser publicado pela
Casterman no próximo mês de Abril.
E a verdade é que tivemos em certa época alguns conflitos relacionados com esse trabalho; na sua bela casa de Bousval, ele chamou-me
“têtu” por não querer acatar ou compreender os seus pontos de vista.
Mas
Jacques Martin era, ele próprio, um homem teimoso. Se não o fosse, aliás, jamais teria feito o que fez. Eu, que já conhecia a sua competência, pude testemunhar o seu profissionalismo irrepreensível.
Entrou para a revista
Tintin dois anos após a sua criação, em 1948. Bastante ao improviso, estreava a série Alix.
“Nessa época era mais fácil do que hoje. Não havia tanta exigência do ponto de vista da qualidade, felizmente... pois eu desenhava mal” – confidenciou ele a Vasco Granja, que o entrevistou a 12 de Outubro de 1972.
– “E foi assim que me estreei no Tintin, em Outubro de 1948, com Alix l’Intrépide. Tive sorte. A história não era bem desenhada mas a personagem agradou imediatamente”, conta ainda
Martin. Agradou e evoluiu bastante,
“felizmente”.Jacques Martin criou, ao longo de muitos anos, um público vasto e uma enorme legião de fãs. Praticamente inaugurou o género da BD histórica, baseada no rigor da documentação e da reconstituição minuciosa. Em 1952 conseguiu impor à direcção da revista Tintin uma nova personagem, desta feita contemporânea: o jornalista
Lefranc.
Martin, que não prezava muito a inteligência dos editores, disse em 2001 que, após a
“tintinite aguda” na revista
Tintin, era então a época da
“jacobite aguda”. O próprio reconheceu ter sido influenciado por
Jacobs mas que se libertou disso, assim como da influência de
Hergé; e afirmou que sempre se recusou a fazer de
“sub-Hergé” ou
“sub-Jacobs” (1).
Em 1953 mudou-se de Verviers para Bruxelas, a fim de integrar e dirigir os quadros dos recém-formados
Studios Hergé. Aí trabalhou durante 19 anos. E aí produziu, na verdade, boa parte das suas histórias, beneficiando da contribuição anónima das coloristas, sobretudo em clássicos magníficos como
“Les Légions Perdues” ou
“Le Dernier Spartiate”. Não obstante, as relações entre ele e Hergé foram-se degradando; Jacques Martin mostrava-se particularmente descontente com o abandono progressivo a que
Hergé votava a banda desenhada e os Studios. Parece ter metido o bedelho nas aventuras amorosas de
Hergé com
Fanny Vlamynck (2) e nunca lhe perdoou o facto de não reconhecer publicamente os seus colaboradores, sobretudo o mais fiel,
Bob de Moor, que nunca beneficiou de direitos autorais.
Jacques Martin fazia questão de tratar os seus colaboradores como tal, não como empregados, dando-lhes em geral o crédito que mereciam. Esse é certamente um ponto a seu favor e que posso testemunhar pela minha experiência pessoal.
Com a sua morte, encerrou-se nesta madrugada a
trindade Hergé – Jacobs – Martin, os mais eminentes representantes da denominada
Escola de Bruxelas, feita de atenção à minúcia e ao rigor da produção.
A sua obra permanecerá.
Au revoir, Maître!
LUÍS DIFERRNotas:
(1) À Propos de Lefranc, Nautilus Éditions nº 5, 2001.
(2) Philippe Goddin, Hergé Lignes de Vie, Éditions Moulinsart, 2007.Imagens:
1.
Alix, uma das personagens mais conhecidas de Jacques Martin;
2.
Jacques Martin com
Olivier Pâques, co-criador da personagem
Loïs;
3. e 4.
Jacques Martin nos
Studios Hergé em 1958 e 1959.
Nota da editora do Blogue: Luís Diferr foi colaborador de Jacques Martin, até ao dia de ontem, nas Éditions Casterman, Bruxelas, conforme se pode ver aqui.Para saber mais sobre Jacques Martin, clique aqui, aqui, aqui e aqui.