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sábado, 12 de setembro de 2009

Paulo Guinote sintetiza no Expresso de hoje as expectativas dos professores


P - Provavelmente nunca como antes, os professores mobilizaram-se em protestos contra as políticas educativas e levaram a cabo uma “guerra” que passou por manifestações nas ruas, contestação dentro das escolas e acções de protesto várias, nalguns casos eventualmente com penalizações pessoais. Considera que valeu a pena para a classe docente? – O que ganharam os professores? O que perderam?

R - Os professores ganharam diversas coisas, a primeira das quais o respeito geral da população e, apesar da permanência de um sector incapaz de o admitir, da própria classe política pela forma como conseguiram ao longo destes anos manter vivo o seu movimento de contestação às políticas do Ministério da Educação para com a classe docente. Também ganharam, ou melhor recuperaram, um certo orgulho na sua identidade profissional que durante tanto tempo foi amesquinhada em público.
Perderam muitas energias e tempo em burocracias desnecessárias e ineficazes para a melhoria das aprendizagens ou da qualidade do ensino, perderam ainda a confiança na sua tutela e perderam materialmente em termos de horizontes de progressão na carreira, após um período de congelamento.

P - Em que medida os protestos alteraram a imagem que a opinião pública tem da classe? E do Governo?

R- O grau de mobilização dos professores, o modo como se desenvolveu inicialmente todo o processo e como se manteve, muitas vezes à margem dos canais “institucionais , foi uma enorme surpresa para todos, a começar por uma opinião pública habituada a ter, através da comunicação social e de alguns opinion-makers, a imagem dos educadores e professores como uma classe acomodada e com escassa capacidade de resistência perante o poder.
Quanto ao Governo, que tentou demonizar os professores identificando-os com os “sindicatos” em geral, ou com um em particular, repetindo acusações descabidas de instrumentalização, acabou por ser obrigado a reconhecer o seu erro e, paradoxalmente, a precisar dos sindicatos como interlocutores perante a revolta alargada à maioria da dos professores.

P - Considera que este período tão conturbado teve implicações na vida das escolas e no ensino dos alunos? De que tipo?

R - É impossível não terem existido quaisquer reflexos embora neste período tenha sempre existido um enorme cuidado, em especial desde 2007, em afastar os protestos de qualquer interferência disruptiva na vida das escolas.
Pelos números veiculados pelo Ministério acerca do sucesso escolar, parece que este período até teve um saldo muito positivo. Em termos mais realistas, acho que a vida nas escolas continuou dentro da normalidade possível, sendo a maior vítima o ambiente entre alguns colegas, em especial com órgãos de gestão demasiado alinhados e apressados em fazer aplicar toda e qualquer directiva emanada da 5 de Outubro.

P - Com que espírito é que acha que os professores vão iniciar este ano lectivo e o trabalho nas escolas? Estão na expectativa de saber quem ganhará as eleições?

R - Expectativa e esperança são as palavras-chave. Neste momento, há escolas onde decisões sobre a avaliação estão em suspenso à espera do resultado das eleições. A maioria dos professores, incluindo muitos que apoiaram inicialmente este Governo estão desejosos de uma qualquer forma de mudança, que não passe apenas pela delicadeza no trato, por importante que seja, mas sim pela substância, ou seja, revisão do estatuto da carreira docente com a eliminação da divisão entre titulares e professores e o mecanismo discriminatório das quotas para a progressão que desincentiva muitos profissionais.

P - E se for o PS a ganhar, como prevê que sejam as relações entre a classe e o novo executivo?

R - Afastada que está a hipótese da maioria absoluta, se for o PS a formar governo, em minoria ou em coligação, tudo passará por aquelas duas questões (eliminação da divisão na carreira e das quotas), assim como a alteração do regime de avaliação. Atendendo às iniciativas legislativas tomadas no mandato que agora finda por TODOS os partidos da oposição, espera-se que na próxima legislatura estes assuntos voltem à Assembleia da República e sejam resolvidos.
A relação dos professores com o PS, com este PS dirigido desta forma e com esta linha política, está obviamente há muito transformada em divórcio litigioso. Assim como a confiança com a equipa ministerial foi totalmente estilhaçada e não chega mudar rostos e acrescentar sorrisos.

Paulo Guinote , editor do Blogue A Educação do Meu Umbigo, em entrevista ao Expresso, 12 de Setembro de 2009.

Cartoon de Antero Valério, via Anterozóide.

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